quarta-feira, março 23, 2011

Um jogo para testar a atenção

Coppe-UFRJ desenvolve teste para facilitar diagnóstico de hiperatividade

Um distúrbio muitas vezes negligenciado, de difícil diagnóstico e com poucas opções de tratamento. Assim é o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), que, nos EUA, acomete pelo menos 2% das crianças - no Brasil, ainda não há estatísticas confiáveis.

Nos próximos anos, porém, detectar esta disfunção pode ficar mais fácil. Pesquisadores da Coppe-UFRJ desenvolveram um jogo, semelhante ao de damas, que testa a capacidade de planejamento e tomada de decisão. A equipe espera que a brincadeira, em processo de aperfeiçoamento, seja adotada em consultórios psiquiátricos e indique o nível de gravidade com que o transtorno se manifesta. 


Segundo Luís Alfredo Vidal, professor de Neurociências da Coppe, o TDAH deve ser diagnosticado ainda na infância, o que impediria o desenvolvimento de doenças associadas em outras fases da vida. 


- Crianças portadoras de TDAH podem ter transtorno de impulso na adolescência, o que levaria, por exemplo, ao abuso no consumo de álcool, à dependência química e até a um maior envolvimento com acidentes de carro - alerta. - Muitas pessoas afetadas não conseguem terminar oensino médio ou o superior. 


Para ressaltar a importância do diagnóstico precoce, o jogo, batizado de Clobber, foi aplicado principalmente em jovens. É como jogar damas sozinho. O participante pode escolher quando moverá as peças brancas, ou a hora de usar as pretas. 


- Deve-se comer pedras de cor diferente em casas vizinhas - explica a pesquisadora Telma Silveira Pará, também da Coppe, uma das inventoras do jogo. - O objetivo é reduzir ao máximo o número de pedras restantes na estrutura, que pode ser um tabuleiro ou um quadro que inventamos. Em breve vamos desenvolver um modelo eletrônico do teste. 


Telma aplicou o desafio em estudantes diagnosticados com TDAH e em outros que não sofrem com o transtorno. O segundo grupo teve resultado melhor. 


- Aqueles que deixavam mais pedras no fim do jogo estavam desatentos, ou seja, manifestam o TDAH de forma mais grave - avalia. - Esta atividade ajuda o aluno a desenvolver o raciocínio, porque ele precisa encontrar um caminho onde todas as peças sejam "comidas". Podemos usá-la para melhorar o entendimento de estruturas abstratas da matemática, como conceitos de variáveis, probabilidade e fusão. 


A comparação dos resultados é o primeiro passo para desenvolver uma escala, que seria usada no diagnóstico do TDAH. Os pesquisadores ressaltam que o desempenho do Clobber, sozinho, não é suficiente para afirmar se uma pessoa é ou não portadora do transtorno. Mas pode ser um indicativo se seu estado inspira mais cuidados. 


O jogo, de acordo com Vidal, entraria nos consultórios substituindo questionários - que, por serem enfadonhos, muitas vezes não conquistam a colaboração necessária dos pacientes. 


A introdução do Clobber na terapia é ainda mais importante se for considerada a falta de alternativas para os médicos. Segundo o pesquisador da Coppe, o tratamento do TDAH ainda é limitado a uma única droga, a Ritalina, que apresenta efeitos colaterais como mudanças drásticas de comportamento. Por isso, ela só costuma ser receitada em casos mais graves. Para os demais, a única saída é consultar-se regularmente com um psiquiatra. 


- É com a terapia de consultório que se faz a atenção do paciente se tornar mais estática - ressalta Vidal. - Nosso teste não é parte do tratamento, e sim uma indicação de diagnóstico. Dada essa notificação, ainda é necessário fazer uma série de exames mais elaborados, que levam em conta inclusive relatos de pais e professores sobre o comportamento da criança. 


No futuro, a procura por instrumentos como esse deverá crescer. Além de ser um problema subnotificado, a tendência é que o número de portadores cresça nos próximos anos. 


- O computador, com suas imagens dinâmicas, pode afetar a atenção dispensada a atividades mais paradas, como um quadro-negro ou um papel - assinala. - É, enfim, um complicador que aumentará a incidência de TDAH nas próximas gerações.
Fonte: O Globo (RJ)

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