sexta-feira, fevereiro 26, 2010

No meio do Atlântico, uma ilhazinha portuguesa usa a EAD para manter próximos da escola jovens afastados por doenças



Por Carlos Giffoni


Site do projeto "Estou na escola com os meus amigos"

Parte de um arquipélago português, a Ilha da Madeira dista 660 km da costa africana (está a oeste do Marrocos) e 980 km de Lisboa, a capital do seu país. Solitária no lado de lá do Oceano Atlântico, a ilha quase não se faz perceber no mapa: são 55 km de comprimento (eixo oeste-leste) e 24 km de largura (eixo norte-sul). É nesse pequenino e isolado local que uma política de apoio à educação em casos de doença ganhou destaque. O projeto "Estou na escola com os meus amigos", orquestrado pela Secretaria Regional de Educação (SRE), dá suporte a crianças e jovens que, por motivo de doença, tenham que se ausentar por um período longo da escola. Para isso, uma plataforma de educação a distância foi desenvolvida e muita gente - entre diretores, professores, alunos e até mesmo profissionais da área da saúde - tem sido treinada.

O projeto começou em 2005, segundo Rafael Santos, diretor do Serviço de Tecnologias Educativas (STE) da Secretaria de Educação. Um conjunto de fundos comunitários da União Europeia serviu como recurso inicial. Procurou-se, então, exemplos em que se poderia inspirar o projeto que a região da Madeira pretendia lançar. "Vimos na França e no Canadá iniciativas dessa natureza, em que se busca manter próximos jovens e escola durante o período de doença. Reunimos as melhores ideias e práticas mais viáveis ao nosso ambiente e lançamos o ‘Escola Virtual'. Com o tempo, vimos que antes de a ‘escola virtual' começar a funcionar, era necessário muito contato entre a nossa equipe e os jovens, para ‘quebrar o gelo' e apresentá-los ao ambiente virtual, por isso, optamos pelo atual nome, que é mais justo com o trabalho desenvolvido."


O foco do "Estou na escola" desde o princípio, quando ainda tinha outro nome, é aproximar jovens estudantes da escola mesmo quando estão no hospital ou fazendo tratamento domiciliar que os impeça de frequentar as aulas. Essa ausência por longos períodos, justificada, na maior parte dos casos, por doenças como o câncer, fraturas mais e, inclusive, fobia escolar, é compensada por um esquema que praticamente leva as escolas aos alunos. A ideia não é substitui-la, mas sim encurtar caminhos num período de maior dificuldade. "Sabemos que, sozinhas, as escolas não chegariam até eles, por isso usamos o potencial das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para fazer essa ponte. Qualquer instituição ligada à educação poderia fazê-lo, mas nós damos o devido apoio aos professores e às escolas, permitindo que eles sintam que podem continuar trabalhando mesmo com os meninos ausentes", conta Rafael. Segundo ele, mesmo quando é sabido que a possibilidade de sobrevivência do jovem é pequena, investe-se na ideia de continuidade dos seus estudos.

Identificando entraves e providenciando soluções sem que as "aulas" parem
Ao longo desses quatro anos de ativação, 73 alunos já foram adotados pelo projeto. Atualmente, 14 estão seguindo com os estudos de suas próprias casas - ou do hospital. Há, para isso, uma grande infraestrutura, que já começa na identificação do jovem doente. Quando a equipe de saúde do projeto entra em contato com ele e confirma que o seu período de afastamento será longo (por volta de um mês, pelo menos), a SRE contata a escola em que ele está inscrito, marca reuniões com a direção, professores e colegas e explica como a participação do jovem acontecerá nas semanas seguintes.


Localização da Ilha da Madeira, próxima à Europa

Nesse processo, procura-se identificar os meios necessários para que o aluno não perca contato com a escola. No hospital, uma professora vai regularmente acompanhar o jovem, identificando as suas competências tecnológicas e habilidades para lidar com uma plataforma de EAD. Ao sair dali, o jovem segue o tratamento em casa - e a mesma estrutura é levada para lá. "Fazemos uma visita ao local através da qual identificamos a necessidade de equipamentos que permitam a sua conexão com os professores e colegas, como webcam e microfone. Se for necessário, fornecemos esse equipamento; até mesmo colocamos o ponto de internet. Paralelamente, uma equipe fixa de três professores interados a respeito do trabalho com as TICs na educação dá suporte aos professores no uso da plataforma, já que muitos não possuem esse conhecimento", explica Rafael. Para ter direito a esse apoio, o aluno precisa estar inscrito numa escola do sistema educativo da região da Madeira. "Mas ele pode ir a qualquer lugar do mundo, para fazer um tratamento, por exemplo. Se necessário, cedemos os equipamentos", acrescenta o diretor.

Uma vez que toda a estrutura foi montada, cabe ao professor - e ao aluno, evidentemente - a continuidade do trabalho. A Dokeos, plataforma utilizada pelo "Estou na escola", permite atividades básicas - como chats, fóruns, gestão de documentos e exercícios - assim como disponibiliza o que é chamado de "frequência de aprendizagem", que indica o tempo necessário de dedicação do aluno para a fixação de determinado conteúdo. O curso ali desenvolvido, como fazem questão de afirmar os envolvidos no projeto, é único para cada aluno, principalmente porque serão professores diferentes (os seus próprios, da sua escola) os responsáveis pela gestão e acompanhamento do aprendizado.

Há casos em que o tratamento do aluno não permite que ele esteja online no mesmo tempo em que seus colegas; assim, o professor mantém contato com ele através dos murais de comunicação disponíveis na plataforma para agendar encontros, entregas de exercícios e de outras produções pedidas. "Ainda há um grande trabalho a ser feito: queremos aumentar o grau de interação do aluno afastado com os professores e colegas, mas ele não poderá apenas estar presente, porque isso é pouco. Neste momento, ele precisará participar", anuncia, Rafael, os planos para o projeto. Ainda assim, o uso de mensageiros instantâneos, como Skype e MSN, é incentivado para que o contato não seja perdido entre os amigos. E apesar de os colegas não terem acesso à plataforma que o aluno afastado usa para seguir as aulas, uma solução provisória foi encontrada por alguns professores: "Às vezes, os professores usam o seu acesso durante a aula para deixar a turma entrar em contato com o amigo", acrescenta Rafael.

Em algumas situações, o período de ausência que determinada enfermidade exige do aluno é muito grande. Não há prazos para que o apoio do projeto se encerre, porém, a estrutura do "Estou na escola", apesar de bem articulada, ainda não está preparada para acompanhar a transição de ciclos, (por exemplo, o equivalente à passagem do antigo primário para o ginásio) que pressupõe uma avaliação, em Portugal. Algumas escolas têm enviado professores para encontrar os alunos doentes e aplicar as provas finais, mas, segundo Rafael, o esquema ainda não está bem fechado.

Um bom exemplo a ser seguido
Não é apenas por fazer parte de Portugal, um país europeu, que a região da Madeira apresenta um trabalho tão avançado em educação. A realidade no próprio país é bem específica, segundo o diretor da SRE. Na ilha, os incentivos vão desde o equivalente ao nosso "Bolsa Escola" a trabalhos em que o foco é aumentar o contato multimídia dos jovens, abrindo espaço para o conhecimento audiovisual, por exemplo. Já em Portugal, o mesmo não acontece.

Em 1995, a região reorganizou o seu parque escolar, passando a apostar fortemente no uso das tecnologias em diferentes projetos. Rafael Santos, o diretor da Secretaria Regional de Educação da Madeira, analisa: "Vimos resultados positivos; no entanto, o processo é lento. Nem todas as pessoas abraçam tais iniciativas desde o início, mas foi por esses bons exemplos, como o do ‘Estou na escola', que passamos a ter alguns seguidores".

A reforma pela qual passou o sistema de ensino da região potencializou o trabalho de um indivíduo cujo papel é fundamental na manutenção de projetos como o "Estou na escola". O "coordenador de TICs", cargo presente em todas as escolas portuguesas, gere a convergência das tecnologias na educação. Mas, apenas na Madeira, os coordenadores de todas as escolas formaram uma rede pela qual mantêm contato e organizam frequentes trocas baseadas nas experiências individuais de cada instituição.


Site Instituto Claro 

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