No Jaçanã, professores improvisam métodos e ajudam alunos especiais; educadores dizem aprender com garotos; cego, Jean, 17, faz conta de cabeça e já ganha ''moral'' na sala de aula
DE SÃO PAULO
Em meio à balbúrdia do recreio, Matheus, 7, e Luara, 12, saboreiam seus lanches com a ajuda de duas AVEs (auxiliares de vida Escolar).
Desde o começo do ano letivo, Rute de Oliveira, 48, e Silvana Fialho, 39, viraram "aves", como são chamadas carinhosamente as duas novas funcionárias do CEU (Centro Educacional Unificado) Jaçanã, na zona norte.
No linguajar técnico, são "facilitadoras". Fazem parte do grupo de 430 auxiliares contratadas neste ano para dar suporte aos 14 mil alunos especiais das 2.480 Escolas municipais de São Paulo.
Colegas da segunda série do ensino fundamental, Matheus Duarte é cadeirante e portador de deficiência intelectual, enquanto Luara Gonzaga teve paralisia cerebral.
"São nossos bebês. Damos comida na boca, trocamos fralda", explica Rute, que fica de prontidão no corredor. À tarde, os "bebês" formam um trio com Vitória, 7, que tem osteogênesis imperfecta, mal conhecido popularmente por ossos de vidro.
"Ela quebrou o fêmur em casa tomando banho e por isso não veio", diz a diretora Vergínia Amorim. "Veja o quão delicada é nossa tarefa."
A Folha acompanhou a rotina de estudantes com diferentes tipos de deficiência no CEU Jaçanã. Dentre os mil alunos, eles são 21 e estão ensinando professores, auxiliares e formuladores de políticas como se dá na prática a inclusão na rede de ensino.
CRIATIVIDADE
"Nunca preparei uma aula para o Jean. Não saberia como. Aprendi com ele", diz Christiane Kushiyama, 52, professora de matemática, referindo-se a Jeanderson Almeida, 17, deficiente visual que é seu aluno há três anos.
Com boa vontade e criatividade, a dupla foi improvisando métodos. Para fazer Jean entender o que era uma raiz quadrada, a professora usou massa de modelar. Os dois estão ficando craques em sorobã, instrumento matemático manual de cálculo de origem japonesa, adaptado para o uso de cegos.
De boné e óculos escuros, Jean interage o tempo todo com a turma. Faz contas de cabeça. "Tem moral", grita um colega lá do fundão da classe, a 8ª B, para um sorridente Jean, diante da resolução de uma equação cheia de colchetes e parênteses.
O aluno peregrinou antes por cinco Escolas públicas. "Não estavam preparados para lidar com o meu filho", relata Roseli Oliveira, 40, mãe de Jean. "Fui muito maltratado em outras Escolas. Os professores me deixavam de lado. Aqui todos me estimulam", conta o adolescente, vítima de câncer nos olhos.
O primeiro ano no CEU Jaçanã foi difícil. Mas a inclusão transformou a vida do garoto. Jean hoje está na mesma turma da irmã de 15 anos. Ajuda os irmãos nos deveres de casa, aprendeu a tocar violão sozinho, participa do coral da Escola e se aventura nos patins.
ADAPTAÇÕES
No início dessa caminhada estão Kaylane Oliveira, 8, e Albert Pires, 8, vítimas de deficiências múltiplas. Companheiros da 2ª série B, eles se sentam lado a lado. Ela, na cadeira de rodas, na qual é acoplado o tampo da carteira, onde repousa o estojo da Barbie. Ele, numa carteira adaptada ao seu tamanho e à sua dificuldade motora.
A professora lê uma historinha que embala o sono da garota. Já Albert se agita com a turma quando a leitura é interrompida com a senha "O que será que vai acontecer?".
A frase cabe bem na boca dos educadores. "Estudamos caso a caso para criar as condições para o aluno especial acompanhar o conteúdo e frequentar a Escola", explica Maria Emilia Oliveira, do Centro de Formação e Acompanhamento da Inclusão.
Estagiários de pedagogia, por exemplo, ficam em sala para dar suporte aos alunos com deficiência intelectual. É o caso de Ezequiel da Silva, 13, na 6ª série, junto com alunos da sua idade, mas em processo de alfabetização.
Uma estagiária lhe passa o conteúdo oralmente. "Ele ainda não sabe ler e escrever, mas já consegue seguir as aulas de geografia", diz a coordenadora pedagógica Elisângela Janoni. "A gente aprende com eles."(ELIANE TRINDADE)
Em meio à balbúrdia do recreio, Matheus, 7, e Luara, 12, saboreiam seus lanches com a ajuda de duas AVEs (auxiliares de vida Escolar).
Desde o começo do ano letivo, Rute de Oliveira, 48, e Silvana Fialho, 39, viraram "aves", como são chamadas carinhosamente as duas novas funcionárias do CEU (Centro Educacional Unificado) Jaçanã, na zona norte.
No linguajar técnico, são "facilitadoras". Fazem parte do grupo de 430 auxiliares contratadas neste ano para dar suporte aos 14 mil alunos especiais das 2.480 Escolas municipais de São Paulo.
Colegas da segunda série do ensino fundamental, Matheus Duarte é cadeirante e portador de deficiência intelectual, enquanto Luara Gonzaga teve paralisia cerebral.
"São nossos bebês. Damos comida na boca, trocamos fralda", explica Rute, que fica de prontidão no corredor. À tarde, os "bebês" formam um trio com Vitória, 7, que tem osteogênesis imperfecta, mal conhecido popularmente por ossos de vidro.
"Ela quebrou o fêmur em casa tomando banho e por isso não veio", diz a diretora Vergínia Amorim. "Veja o quão delicada é nossa tarefa."
A Folha acompanhou a rotina de estudantes com diferentes tipos de deficiência no CEU Jaçanã. Dentre os mil alunos, eles são 21 e estão ensinando professores, auxiliares e formuladores de políticas como se dá na prática a inclusão na rede de ensino.
CRIATIVIDADE
"Nunca preparei uma aula para o Jean. Não saberia como. Aprendi com ele", diz Christiane Kushiyama, 52, professora de matemática, referindo-se a Jeanderson Almeida, 17, deficiente visual que é seu aluno há três anos.
Com boa vontade e criatividade, a dupla foi improvisando métodos. Para fazer Jean entender o que era uma raiz quadrada, a professora usou massa de modelar. Os dois estão ficando craques em sorobã, instrumento matemático manual de cálculo de origem japonesa, adaptado para o uso de cegos.
De boné e óculos escuros, Jean interage o tempo todo com a turma. Faz contas de cabeça. "Tem moral", grita um colega lá do fundão da classe, a 8ª B, para um sorridente Jean, diante da resolução de uma equação cheia de colchetes e parênteses.
O aluno peregrinou antes por cinco Escolas públicas. "Não estavam preparados para lidar com o meu filho", relata Roseli Oliveira, 40, mãe de Jean. "Fui muito maltratado em outras Escolas. Os professores me deixavam de lado. Aqui todos me estimulam", conta o adolescente, vítima de câncer nos olhos.
O primeiro ano no CEU Jaçanã foi difícil. Mas a inclusão transformou a vida do garoto. Jean hoje está na mesma turma da irmã de 15 anos. Ajuda os irmãos nos deveres de casa, aprendeu a tocar violão sozinho, participa do coral da Escola e se aventura nos patins.
ADAPTAÇÕES
No início dessa caminhada estão Kaylane Oliveira, 8, e Albert Pires, 8, vítimas de deficiências múltiplas. Companheiros da 2ª série B, eles se sentam lado a lado. Ela, na cadeira de rodas, na qual é acoplado o tampo da carteira, onde repousa o estojo da Barbie. Ele, numa carteira adaptada ao seu tamanho e à sua dificuldade motora.
A professora lê uma historinha que embala o sono da garota. Já Albert se agita com a turma quando a leitura é interrompida com a senha "O que será que vai acontecer?".
A frase cabe bem na boca dos educadores. "Estudamos caso a caso para criar as condições para o aluno especial acompanhar o conteúdo e frequentar a Escola", explica Maria Emilia Oliveira, do Centro de Formação e Acompanhamento da Inclusão.
Estagiários de pedagogia, por exemplo, ficam em sala para dar suporte aos alunos com deficiência intelectual. É o caso de Ezequiel da Silva, 13, na 6ª série, junto com alunos da sua idade, mas em processo de alfabetização.
Uma estagiária lhe passa o conteúdo oralmente. "Ele ainda não sabe ler e escrever, mas já consegue seguir as aulas de geografia", diz a coordenadora pedagógica Elisângela Janoni. "A gente aprende com eles."(ELIANE TRINDADE)
Fonte: Folha de São Paulo (SP)
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