Dificuldade matemática pode não ser preguiça ou falta de vontade, mas disfunção neurológica
Mariana Lenharo
Imagine um jogo de futebol entre Corinthians e Guarani no Pacaembu. Quem entra no estádio é capaz de perceber claramente que a torcida do Timão é maioria nas arquibancadas. Mas saber distinguir qual é a maior ou a menor parcela do público pode não ser tão simples para quem tem discalculia, uma disfunção neurológica caracterizada pela dificuldade de resolver cálculos matemáticos e pela falta de noção de quantidades.
Na reta final do ano letivo, esse “mal dos números”, de difícil diagnóstico, pode estar por trás do desempenho ruim do estudante na matemática – a má performance escolar, porém, pode ser influenciada por inúmeros fatores. Para dimensionar a discalculia hoje no Brasil, o psicólogo Pedro Pinheiro Chagas, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, coordena um estudo sobre a prevalência da disfunção no Brasil, cujos resultados serão divulgados em 2011.
“Ainda há poucas pesquisas sobre o tema no País, ao contrário do que ocorre com a dislexia (distúrbio relacionado à linguagem).”
Para o cientista político discalcúlico Alexandre Barros, de 68 anos, a dislexia é mais conhecida e tratada porque as pessoas vivem de palavras. “É mais fácil esconder a dificuldade com números do que com a linguagem”, diz.
Os sinais da discalculia variam conforme a idade (veja quadro acima), mas todos os portadores do distúrbio costumam sofrer nas aulas de matemática. Segundo a psicopedagoga Valéria de Andrade Cozzolino, da Associação Brasileira de Dislexia, o discalcúlico não consegue adquirir o conteúdo por mais que se esforce e, quando os pais e os professores demoram a perceber que as notas baixas não resultam de preguiça ou má vontade, as consequências podem ser graves. “As crianças sofrem, são rotuladas pelos professores de preguiçosas e isso afeta muito a autoestima”, diz.
Especialistas concordam que o diagnóstico do distúrbio é muito complexo e que depende da avaliação de uma equipe multidisciplinar. Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, explica que a discalculia é genética e acompanha o indivíduo durante toda a vida.
“Assim como o disléxico troca o ‘p’ pelo ‘d’, o discalcúlico troca o 39 pelo 93”, exemplifica Quézia.
Segundo o neurologista Luiz Celso Pereira Vilanova, professor da Universidade Federal de São Paulo, é comum que a discalculia esteja associada a outros distúrbios, como a dislexia e o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). “É mais raro ter apenas a dificuldade com os cálculos matemáticos. Estudos apontam a incidência de uma em cada 40 mil pessoas”, afirma.
Quando os professores ou os pais percebem que os tropeços da criança com relação aos números são maiores do que o comum, a recomendação é que se procure um profissional na área, como psicopedagogo ou neurologista. O tratamento, que varia de pessoa para pessoa, deve envolver o resgate da auto-estima do indivíduo. A psicopedagoga Valéria explica que, durante o tratamento, o aluno aprende a criar uma estratégia diferenciada para que ele construa seu próprio caminho de aprendizado.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
- Quanto mais cedo se descobre que uma criança tem a discalculia, mais facilmente ela aprenderá a lidar com o distúrbio. Por isso, é importante que professores e pais estejam atentos aos primeiros sinais e encaminhem o jovem a um especialista o quanto antes.
- A falta de conhecimento sobre a disfunção pode provocar sérios danos à autoestima do estudante. Além de recuperá-la, o tratamento prevê também a criação pelo aluno de uma estratégia diferenciada para que ele construa seu próprio caminho de aprendizado.
Ir mal em matemática vai além dos limites da discalculia
Pessoas que têm a disfunção neurológica caracterizada pela dificuldade de resolver cálculos matemáticos e pela falta de noção de quantidades
Mariana Lenharo - Jornal da Tarde
Independentemente da discalculia, a dificuldade com relação à matemática é disseminada no Brasil. A disciplina é uma das mais mal avaliadas no País e a disfunção neurológica, na maioria dos casos, não é a razão que explica o mau desempenho. “É cultural. As pessoas se sentem autorizadas a não entender a matemática porque há o mito de que é uma disciplina muito difícil”, diz a psicopedagoga Quézia Bombonatto.
Para os estudantes que estão na reta final do ano letivo e que continuam tropeçando nos números, os professores têm uma boa notícia: ainda dá para correr atrás do prejuízo. “O aluno tem que ter ciência de que a matemática requer tempo e esforço. Ele não vai aprender tudo de repente, mas ainda está em tempo”, diz a professora de matemática Simone Schiavinato, do Colégio Paulista, que indica a revisão diária de conteúdo para depois tirar as dúvidas com o professor. “Estudar matemática não é só ler a teoria, mas também resolver o máximo de exercícios”. Nessa mesma linha, a professora de matemática Yamara Regatieri, do Colégio Sion, recomenda que o jovem refaça em casa os exercícios da classe.
Se o problema com números for complexo, como na discalculia, o diagnóstico deve ser feito por um especialista e o tratamento é a médio ou longo prazo.
Fonte: Estadão.com.br
quinta-feira, setembro 30, 2010
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